Literalmente, clarividência quer dizer simplesmente "ver claro", e é uma palavra que tem sido bastas vezes mal empregada, e mesmo degradada ao ponto de a aplicarem para descrever as artimanhas dum charlatão num teatro de variedades. Mesmo no seu sentido mais restrito, abrange um grande número de fenômenos, tão divergentes nos seus característicos que não é fácil dar uma definição do termo que seja ao mesmo tempo concisa e justa. Tem-se-lhe chamado "visão espiritual", mas não se pode conceber tradução mais errônea, porque na grande maioria dos casos não está ligada a ela faculdade alguma que de longe mereça que a honrem com um nome tão elevado.
Para os fins deste tratado poderemos, talvez, defini-la como sendo o poder de ver o que está oculto à visão física normal. Será bom explicar, também, que ela é freqüentemente (se bem que não sempre) acompanhada por aquilo a que se chama "clariaudição", ou seja, o poder de ouvir aquilo que o ouvido físico normal não pode abranger; tornaremos o termo, que constitui o título deste livro, extensivo também a esta faculdade, para que evitemos estar constantemente a empregar duas palavras onde só uma é suficiente.
Antes de entrar propriamente no assunto, desejo esclarecer dois pontos. Em primeiro lugar, não destino estas páginas àqueles que não acreditem em que haja clarividência, nem busco nelas convencer os que estejam em dúvida sobre o assunto. Em tão pequeno trabalho, não disponho do espaço para o fazer; esses indivíduos deverão estudar os muitos livros que registram listas de casos destes, ou fazer, eles próprios, experiências seguindo uma orientação mesmérica. Escrevo para os mais cultos, que sabem que a clarividência existe, e que sentem pelo assunto um interesse suficiente para que desejem ser informados sobre os seus métodos e possibilidades; a esses quero assegurar que o que aqui exponho é o resultado de muitos anos de estudo e de experimentação cuidadosa, e que, conquanto alguns dos poderes que descreverei lhes possam parecer novos e espantosos, não me refiro a nenhum de que não tenha visto casos.
Em segundo lugar, ainda que procure evitar, tanto quanto seja possível, o uso de uma linguagem técnica, permitir-me-ei de vez em quando, visto que estou escrevendo para estudiosos da Teosofia, usar, para ser breve e sem me demorar em explicações, a vulgar terminologia teosófica que posso confiadamente supor que eles conheçam.
Se este livro for ter às mãos de alguém para quem o emprego ocasional desses termos constitua uma dificuldade, só posso pedir-lhe que mo releve e citar-lhe, para que nela busque essas explicações preliminares, qualquer obra teosófica elementar, como, por exemplo, A Sabedoria Antiga ou O Homem e os seus Corpos de Mrs. Besant. A verdade é que o sistema teosófico é a tal ponto coerente, as suas partes componentes estão em interdependência tal, que dar uma explicação plena de cada termo empregado implicaria escrever um tratado completo de Teosofia como prefacio mesmo a este breve estudo sobre clarividência.
Antes, porém, que se possa utilmente tentar uma explicação detalhada da clarividência, será necessário que gastemos algum tempo em algumas considerações preliminares, para que nitidamente tenhamos presentes alguns fatos gerais sobre os diferentes planos em que se pode exercer a visão clarividente, e as condições que tornam possível esse exercício. Constantemente nos é garantido nos livros teosóficos que estas faculdades superiores brevemente terão de ser herança da humanidade em geral - que a capacidade clarividente, por exemplo, existe latentemente em cada indivíduo, e que aqueles em quem ela já se manifesta apenas estão, nesse sentido, um pouco mais avançados do que os outros homens. Ora esta declaração é verdadeira, e contudo parece absolutamente vaga e irreal à maioria das pessoas, simplesmente porque consideram tal faculdade como sendo uma cousa absolutamente diferente de tudo de quanto têm tido experiência, e confiadamente crêem que eles, pelo menos, serão inteiramente incapazes de a desenvolver em si.
Talvez tenda a desvanecer esta impressão de irrealidade se nos esforçarmos por compreender que a clarividência, como muitas outras cousas da natureza, é sobretudo uma questão de vibrações, e não passa, de resto, de uma extensão dos poderes que todos os dias empregamos. Vivemos sempre cercados por um vasto mar de éter e de ar, aquele interpenetrando este, como, aliás, a toda a matéria física; e é principalmente por vibrações nesse grande mar de matéria que nos chegam as impressões do exterior. Isto sabemos todos, mas talvez a muitos de nós nunca tenha ocorrido que o número dessas vibrações a que podemos responder é na verdade pequeníssimo.
Entre as vibrações excessivamente rápidas que afetam o éter há uma certa pequena secção — uma secção pequeníssima — que pode afetar a retina humana, e este gênero de vibrações produz em nós a sensação a que chamamos luz. Isto é, podemos ver só aqueles objetos de onde pode ou sair ou ser refletido esse gênero de luz.
De modo inteiramente análogo, o tímpano do ouvido humano é capaz de responder a um certo número pequeníssimo de vibrações relativamente lentas — suficientemente lentas para que afetem o ar que nos cerca; e, assim, os únicos sons que podemos ouvir são aqueles que são produzidos por objetos que vibram num grau dentro da gama dessas vibrações.
Em ambos os casos, sabe a ciência perfeitamente que há grande número de vibrações tanto acima como abaixo destas duas secções, e que portanto há muita luz que não podemos ver e muitos sons a que os nossos ouvidos são surdos. No caso da luz, a ação dessas vibrações superiores e inferiores é fácil de perceber nos efeitos produzidos pelos raios actínicos numa extremidade do espectro e pelos raios do calor na outra extremidade.
O fato é que existem vibrações de todos os graus concebíveis de rapidez, enchendo todo o vasto espaço que medeia entre as lentas ondas do som e as rápidas ondas da luz; nem é isso tudo, pois que há sem dúvida vibrações mais lentas do que as do som e uma infinidade delas mais rápidas do que aquelas que conhecemos sob a forma de luz. E assim começamos a compreender que as vibrações pelas quais vemos e ouvimos são apenas como que dois pequenos grupos de poucas cordas numa harpa enorme de extensão praticamente infinita, e quando refletimos em quanto nos tem sido possível aprender e deduzir do uso desses pequenos fragmentos, entrevemos vagamente que possibilidades podiam revelar-se-nos se pudéssemos utilizar o todo vasto e maravilhoso.
Um outro fato, que tem de ser considerado em relação a este, é que diferentes indivíduos variam consideravelmente, se bem que dentro de limites relativamente pequenos, na capacidade, que têm, de responder mesmo às pouquíssimas vibrações que estão ao alcance dos nossos sentidos físicos. Não me refiro á agudeza de vista ou de ouvido que torna possível a um indivíduo ver um objeto mais indeciso ou ouvir um som mais tênue do que outro indivíduo; não se trata, de modo algum, duma questão de força de vista, mas sim de extensão de suscetibilidade.
Por exemplo: se se pegar num bom prisma de bissulfito de carbono, e com ele se lançar um espectro nítido sobre uma folha de papel branco, levando depois várias pessoas a marcar no papel os limites extremos do espectro, tal qual o vêem, verificar-se-á quase sempre que o poder de visão dessas pessoas varia consideravelmente de umas para outras. Algumas verão o violeta estender-se muito mais longe do que outras; outras haverá que, vendo muito menos do violeta do que a maioria, terão porém uma visão maior do vermelho. Alguma.- haverá, talvez, que possam ver mais do que as outras a ambas as extremidades, e estas serão quase infalivelmente aquilo a que chamamos gente sensível — susceptíveis de um alcance maior de visão do que a maioria da gente hoje em dia.
Na audição, a mesma divergência se poderá demonstrar com qualquer som que, sendo muito tênue, não esteja porém fora do alcance do ouvido — um som, por assim dizer, na fronteira da audibilidade — e ver quantas pessoas, entre várias, o conseguem ouvir. O guincho dum morcego é um bom exemplo dum som destes, e a experiência mostrará que numa noite de verão, quando o ar está cheio dos guinchos agudos, como agulhas, destes animaizinhos, muita gente haverá que nenhuma consciência tenha deles, incapaz de todo de os ouvir.
Ora estes exemplos mostram claramente que não há limite definido ao poder, que o homem tem, de responder às vibrações etéricas ou atmosféricas, mas que já há alguns de nós que tenham esse poder mais desenvolvido do que outros; e verificar-se-á, mesmo, que no mesmo indivíduo essa capacidade varia de umas ocasiões para outras. Não é, pois, difícil imaginarmos que um indivíduo possa desenvolver este poder de modo a vir a poder ver muita cousa que é invisível aos seus semelhantes, a ouvir muita cousa que eles não podem ouvir, visto que sabemos que existe um número enorme destas vibrações adicionais, que apenas como que esperam ser conhecidas.
As experiências feitas com os raios Roentgen dão-nos um exemplo dos resultados espantosos que se produzem quando mesmo poucas destas vibrações adicionais são trazidas para o alcance do conhecimento humano, e a transparência, a estes raios, de muitas substâncias até aqui tidas por opacas, imediatamente nos mostra pelo menos uma maneira em que se pode explicar tais fenômenos de clarividência elementar, como sejam ler uma carta fechada numa caixa ou descrever as pessoas que estão numa sala contígua. Aprender a ver pelos raios Roentgen, além de pelos vulgarmente empregados, seria bastante para tornar qualquer indivíduo capaz de executar um ato mágico dessa natureza.
Até aqui temos considerado apenas uma extensão maior dos sentidos físicos do homem; e, quando refletimos que o corpo etérico dum indivíduo é na realidade apenas a parte mais tênue do seu corpo físico, e que portanto todos os órgãos dos seus sentidos contêm uma grande parte de matéria etérica em vários graus de densidade, a capacidade da qual está ainda apenas latente na maioria de nós, compreendemos que, mesmo limitando-nos a esta linha de desenvolvimento, ha já enormes possibilidades de todas as espécies abrindo-se diante de nós.
Mas além e acima disto sabemos que o homem tem um corpo astral e um corpo mental; cada um dos quais pode, com tempo, ser acordado para a atividade, e por sua vez responder às vibrações da matéria do seu plano, abrindo ao Eu, à medida que ele aprende a funcionar através destes instrumentos, dois mundos inteiramente novos e imensamente maiores de conhecimento e de poder. Ora estes novos mundos, se bem que nos cerquem e uns aos outros se interpenetrem, não devem ser considerados como distintos e inteiramente desligados quanto à sua substância, mas antes como fundindo-se uns nos outros, o astral inferior formando uma série d ir et a com o físico superior, assim como o mental inferior, por sua vez, forma uma série direta com o astral superior. Não nos é exigido, ao pensarmos neles, que imaginemos qualquer nova e estranha espécie de matéria, mas simplesmente que consideremos a vulgar matéria física como tão tenuamente subdividida e vibrando com uma rapidez tão superior que nos revela condições e qualidades que se podem dizer inteiramente novas.
Não nos é, pois, difícil compreender a possibilidade de um alargamento regular e progressivo dos nossos sentidos, de modo que, tanto pela vista como pelo ouvido, possamos apreciar vibrações muito superiores e muito inferiores àquelas que são vulgarmente conhecidas. Uma grande secção destas vibrações adicionais pertencerá ainda ao plano físico e apenas nos tornará possível obter impressões da parte etérica desse plano, que atualmente é para nós um livro fechado. Essas impressões serão ainda obtidas pela retina; afetarão, é claro, a sua matéria etérica, e não a sólida, mas podemos, ainda assim, considerá-la como agindo apenas sobre um órgão especializado para as receber, e não sobre a superfície total do corpo etérico.
Há, porém, alguns casos anormais em que outras partes do corpo etérico respondem a essas vibrações adicionais tão, ou mesmo mais, prontamente de que os olhos. Essas anormalidades são explicáveis de diversas maneiras, mas sobretudo como efeitos de qualquer parcial desenvolvimento astral, pois que se verificará que as partes sensíveis do corpo quase que invariavelmente correspondem a um ou outro dos chakrams ou centros de vitalidade no corpo astral. E ainda que, se a consciência astral não estiver ainda desenvolvida, estes centros não sejam aproveitáveis no próprio plano a que pertencem, têm, contudo, força suficiente para estimular para uma atividade maior a matéria etérica que penetram.
Quando passamos a considerar os sentidos astrais propriamente ditos, os métodos de trabalho são muito diferentes. O corpo astral não tem órgãos de sentidos especializados, e é este um fato que talvez precise de ser bem esclarecido, visto que muitos estudiosos, que tentam compreender a sua fisiologia, acham que isso é difícil de conciliar com as afirmações que se têm feito, sobre a perfeita interpenetração do corpo físico pela matéria astral, sobre a exata correspondência dos dois instrumentos, e sobre o fato de que cada objeto físico tem necessariamente o seu correspondente astral.
Ora todas as afirmações são verdadeiras, e contudo é perfeitamente possível que as não compreendam bem indivíduos que normalmente não têm a visão astral. Cada ordem de matéria física tem a sua ordem correspondente de matéria astral em constante comunicação com ela, nem dela pode ser separada exceto por um exercício considerável de força oculta, e, mesmo assim, só está dela separada enquanto tal força se exerce para tal fim. Mas, apesar de tudo isso, a inter-relação das partículas astrais é muito mais lassa do que a das suas correspondentes físicas.
Numa barra de ferro, por exemplo, temos uma massa de moléculas físicas na condição sólida, isto é, capazes de mudanças relativamente pequenas nas suas posições relativas, ainda que vibrando cada uma com imensa rapidez na sua esfera própria. O correspondente astral disto consiste daquilo a que muitas vezes chamamos matéria astral sólida — isto é, matéria do mais baixo e mais denso subplano do astral; mas as suas partículas constante e rapidamente estão mudando a sua posição relativa, movendo-se umas entre as outras com a mesma facilidade com que o fariam as de um líquido no plano físico. De modo que não há associação permanente entre qualquer partícula física e aquela quantidade de matéria astral que aconteça estar sendo, em determinado momento, o seu correspondente.
Isto é igualmente verdade com respeito ao corpo astral do homem, que, para os nossos fins de momento, poderemos considerar como consistindo de duas partes — o agregado mais denso que ocupa exatamente a posição do corpo físico, e a nuvem de mais tênue matéria astral que cerca esse agregado. Em ambas estas partes, e entre as duas, está constantemente dando-se a rápida intercirculação de partículas que se descreveu, de modo que, ao observarmos o movimento das moléculas no corpo astral, constantemente nos ocorre a sua semelhança com as de água em forte ebulição.
Posto isto, facilmente se compreenderá que, conquanto qualquer órgão do corpo físico terá sempre de ter como seu correspondente uma certa quantidade de matéria astral, esse órgão não retém as mesmas partículas durante mais de uns segundos de cada vez, e por conseguinte nada há que corresponda a especialização de matéria nervosa física em nervos éticos ou auditivos, etc. De modo que, conquanto o olho ou ouvido físico tenha sempre o seu correspondente de matéria astral, esse especial fragmento de matéria astral não é mais (nem menos) capaz de responder às vibrações que produzem a visão ou a audição astral do que qualquer outro fragmento do instrumento.
Nunca se deve esquecer que, conquanto constantemente tenhamos de nos referir a "visão astral" ou "audição astral" para nos fazermos compreender, o que queremos dizer com essas expressões é a faculdade de responder a vibrações das que levam à consciência do indivíduo, quando ele funciona no seu corpo astral, informação da mesma natureza do que aquela que lhe é dada através dos seus olhos e dos seus ouvidos quando ele está no seu corpo físico. Mas nas, inteiramente diferentes, condições astrais, não são precisos órgãos especializados para a obtenção deste resultado; há em todas as partes do corpo astral matéria capaz de responder a tais vibrações, e por isso o indivíduo funcionando nesse corpo vê da mesma maneira objetos que estão por detrás dele, por cima dele, por baixo dele, sem precisar para isso mexer a cabeça.
Há, porém, um outro ponto que não seria justo omitir de todo, e esse é a questão dos chakrams a que acima me referi. Os estudantes da Teosofia conhecem bem a idéia da existência nos corpos astral e etérico do homem de certos centros de força que têm de ser, cada um por sua vez, vivificados pelo fogo da serpente à medida que o homem avança na evolução. Ainda que se não possa dizer que estes são órgãos, no sentido vulgar da palavra, pois que não é através deles que o homem vê ou ouve, como na vida física através de olhos e de ouvidos, é contudo, ao que parece, em grande parte da vivificação desses centros que o poder de exercer estes sentidos astrais depende; e à medida que cada um desses centros é vivificado, ele dá a todo o corpo astral o poder de responder a um novo grupo de vibrações.
Nem têm estes centros, porém, ligada a eles qualquer agregação permanente de matéria astral. Eles são apenas vórtices na matéria do corpo — vórtices através dos quais todas as partículas alternadamente passam — pontos, talvez, nos quais a força superior de planos mais altos age sobre o corpo astral. Mesmo esta descrição não dá senão uma idéia parcial do seu aspecto, porque, na realidade, eles são vórtices de quatro dimensões, de modo que a força que vem através deles, e é a causa da sua existência, parece surgir de parte nenhuma. Mas, seja como for, visto que todas as partículas, umas após outras, passam por cada vórtice desses, claro está que é possível a cada um evocar em todas as partículas do corpo o poder de receptividade para com um certo grupo de vibrações, de modo que todos os sentidos astrais são igualmente ativos em todas as partes do corpo.
A visão do plano mental é, por sua vez, inteiramente diferente, porque neste caso já não podemos falar de sentidos separados tais como a vista e o ouvido, mas temos, antes, que postular um sentido geral que responde tão plenamente às vibrações que o atingem que qualquer objeto que chegue ao seu conhecimento é imediatamente por ele compreendido, é, por assim dizer, visto, ouvido, palpado, e inteiramente conhecido numa só operação instantânea. E, contudo, mesmo esta maravilhosa faculdade não difere senão em grau, e não em espécie, daquelas que estão ao nosso alcance atualmente; no plano mental, exatamente como no físico, as impressões são dadas por meio de vibrações projetadas do objeto visto sobre o indivíduo que vê.
No plano búdico encontramos pela primeira vez uma faculdade inteiramente nova, que nada tem de comum com aquelas de que temos falado, pois que naquele plano um indivíduo toma conhecimento de um objeto por um meio inteiramente diferente, no qual as vibrações externas não têm parte nenhuma. O objeto torna-se parte dele, indivíduo, e ele estuda-o de dentro em vez de fora. Mas com este poder a clarividência de que aqui tratamos nada tem.
O desenvolvimento, completo ou parcial, de qualquer destas faculdades caberia dentro da nossa definição de clarividência — o poder de ver aquilo que está oculto à visão física normal. Mas estas faculdades podem ser desenvolvidas de várias maneiras, e será bom dizer algumas palavras a esse respeito.
Podemos calcular que se fosse possível que, durante a sua evolução, um indivíduo estivesse isolado de todas, exceto as mais suaves, influências externas, e se desenvolvesse desde o princípio duma maneira perfeitamente regular e normal, os seus sentidos se desenvolveriam também de maneira e por ordem regular. Também verificaria que os seus sentidos físicos pouco a pouco aumentavam de alcance até que respondiam a todas as vibrações físicas, tanto da matéria etérica, como da matéria mais densa; então, numa seqüência ordenada, viria a sensibilidade à parte mais grosseira do plano astral, e em breve também à parte mais elevada, até que, por um decurso natural, a faculdade do plano mental apareceria também.
Na vida real, porém, quase que nunca se conhece um desenvolvimento assim regular, e muitos homens há que têm vislumbres de consciência astral sem que neles haja sequer acordado a visão etérica. E esta irregularidade de desenvolvimento é uma das principais causas da tendência extraordinária do homem para o erro em matéria de clarividência — tendência à qual só se escapa mediante um longo período de instrução dada por um professor qualificado.
Os estudiosos da literatura teosófica sabem bem que é possível encontrar esses professores — que mesmo neste século materialista o velho dito permanece certo, que "quando o aluno está pronto, o Mestre está pronto também", e que "quando o aluno se torna capaz de entrar para o vestíbulo da sabedoria, ali sempre encontrará o Mestre". Eles sabem também que só assim guiado pode um indivíduo desenvolver com segurança e proveito os seus poderes latentes, visto que sabem quão fatalmente fácil é ao clarividente pouco instruído enganar-se quanto ao valor e a significação daquilo que vê, ou. mesmo deformar inteiramente a sua visão ao trazê-la para baixo, para a sua consciência física.
Não segue que mesmo o aluno que esteja recebendo instrução regular no uso dos poderes ocultos os veja desenvolver-se em si exatamente pela ordem regular que acima se esboçou como provavelmente apenas ideal. O seu progresso anterior poderá não ter tomado essa estrada a mais fácil ou a mais desejável para ele; mas, ao mesmo, está entregue a alguém que tem toda a competência para ser o seu guia no desenvolvimento espiritual, e tem a plena e contente segurança que o caminho pelo qual o levam é aquele que para ele é o melhor.
Outra grande vantagem que ele ganha é que as faculdades que adquire ficam definitivamente sob o seu domínio e podem ser constantemente e plenamente usadas quando ele precisar delas para o seu trabalho teosófico; ao passo que, no caso do indivíduo mal instruído, estes poderes muitas vezes se manifestam apenas de modo muito parcial e espasmódico, parecendo ir e vir, por assim dizer, por sua livre vontade.
Pode com certa razão de ser objetado que, se a faculdade da clarividência é, como se disse, parte do desenvolvimento oculto do homem, e, assim, uma indicação de certa quantidade de progresso nessa direção, parece estranho que muitas vezes seja possuída por povos primitivos, ou pelos ignorantes e incultos da nossa raça — indivíduos evidentemente sem desenvolvimento algum, de qualquer ponto de vista que os encaremos. Por certo que isto parece estranho à primeira vista; mas o fato é que a sensibilidade do selvagem ou do europeu ignorante e grosseiro não é de modo algum a mesma cousa que a faculdade do seu semelhante propriamente cultivado, nem é obtida de maneira idêntica.
Uma explicação exata e detalhada da diferença levar-nos-ia a pontos complexamente técnicos, mas talvez seja possível dar uma noção geral da distinção entre as duas por meio de um exemplo tirado do plano ínfimo da clarividência, em contato próximo com o plano físico mais denso. O duplo etérico no homem está numa relação excessivamente íntima com o seu sistema nervoso, e qualquer ação sobre uma destas cousas rapidamente atua sobre a outra. Ora, no aparecimento esporádico da visão etérica no selvagem, quer da África Central, quer da Europa Ocidental, tem-se observado que a perturbação nervosa correspondente é quase toda apenas no sistema simpático, e que toda a questão está realmente fora do domínio da vontade do indivíduo — é, de fato, uma espécie de sensação em massa, pertencendo vagamente a todo o corpo etérico, e não uma percepção exata e definida dos sentidos comunicada através dum órgão especializado.
Corno nas raças posteriores e no meio de um desenvolvimento mais elevado a força do homem mais e mais se acha entregue ao desenvolvimento das faculdades mentais, esta vaga sensibilidade em geral desaparece; mas, mais tarde, quando o homem espiritual se começa a desenvolver, retorna o seu poder de clarividência. Desta vez, porém, a faculdade é exata e precisa, sob o domínio da vontade do indivíduo, e exercida através dum órgão sensorial definido; e é de notar que qualquer ação nervosa com que se relacione e agora quase exclusivamente do sistema cérebro-espinal.
Sobre este assunto escreve Mrs. Besant: "Às formas inferiores do psiquismo são mais freqüentes nos animais e em seres humanos de rudimentar inteligência do que em homens e mulheres em quem as faculdades intelectuais estejam bem desenvolvidas. Parecem estar ligadas ao sistema simpático, e não ao cérebro-espinal. As grandes células ganglionares nucleais neste sistema contêm uma grande porção de matéria etérica, e são por isso mais facilmente afetadas pelas vibrações astrais mais grosseiras do que as células em que a porção é menor. A medida que o sistema cérebro-espinal se desenvolve e que o cérebro se torna mais perfeito, o sistema simpático cai para uma situação subordinada, e a sensibilidade às vibrações psíquicas é dominada pelas vibrações mais fortes e mais ativas do sistema nervoso superior. É certo que, num estádio ulterior da evolução, a sensibilidade psíquica reaparece, mas então, é desenvolvida em relação com os centros cérebro-espinais e está sob o domínio da vontade. Mas o psiquismo histérico e irregular, de que vemos tantos lamentáveis exemplos, é devido ao pequeno desenvolvimento do cérebro e à predominância do sistema simpático".
Vislumbres passageiros de clarividência acontecem, porém, algumas vezes ao indivíduo altamente culto e com tendências espirituais, ainda que ele nem mesmo tenha ouvido falar na possibilidade de se cultivar essa faculdade. No seu caso, esses vislumbres em geral significam que ele se está aproximando daquele estádio na sua evolução quando esses poderes começaram naturalmente a manifestar-se, e o seu aparecimento deve servir de estímulo adicional para que ele tente manter aquele alto nível de pureza moral e equilíbrio mental sem os quais a clarividência é um mal e não um bem para quem a possui.
Entre aqueles que são inteiramente incapazes de ser impressionados e aqueles que estão de plena posse do poder de clarividência há muitos estádios intermédios. Um desses estádios, que convém talvez examinar por alto, é aquele em que o indivíduo, ainda que não tenha faculdades de clarividência na vida normal, contudo as revela em grau maior ou menor quando sob a influência do hipnotismo. É este um caso em que a natureza psíquica já é sensível, mas a consciência ainda incapaz de funcionar nela no meio das múltiplas distrações da vida física. É preciso que ela seja libertada pela suspensão temporária dos sentidos exteriores no transe hipnótico antes que possa usar as mais divinas faculdades que começam nela a aparecer. Mas, é claro, mesmo no transe hipnótico há inúmeros graus de lucidez, desde o paciente vulgar, que é nitidamente obtuso, até ao indivíduo cujo poder de visão está inteiramente sob o domínio do hipnotizador, e pode ser dirigido na direção que ele quiser, ou até ao estádio ainda mais avançado em que, uma vez libertada, a consciência escapa inteiramente ao domínio de quem magnetiza e sobe a alturas de visão exaltada onde fica inteiramente fora do seu alcance.
Um outro passo neste mesmo caminho é aquele em que não é precisa uma tão perfeita supressão do físico, como a que se dá no transe hipnótico, mas em que o poder de visão sobrenormal, ainda que inatingível na vigília, se torna possível quando o corpo está sob o domínio do sono vulgar. Neste estádio de desenvolvimento estavam muitos dos profetas e dos videntes dos quais lemos que "foram avisados por Deus num sonho", ou comungaram com seres muito mais elevados do que eles no alto silêncio da noite.
A maioria da gente culta das raças superiores do mundo tem até certo ponto atingido este desenvolvimento: isto é, os sentidos dos seus corpos astrais estão plenamente aptos a funcionar e perfeitamente capazes de receber impressões de objetos e entidades no seu plano. Mas para que isso lhes sirva de qualquer cousa aqui no seu corpo físico, são, em geral, precisas duas condições: primeiro, que o Eu seja acordado para as realidades do plano astral e levado a sair da crisálida formada pelos seus pensamentos de vigília, de modo a olhar em seu redor e aprender; e, depois, que a consciência seja retida o bastante pelo Eu, ao regressar ao seu corpo físico, para que consiga fixar no seu cérebro físico a memória do que aprendeu ou viu.
Se a primeira destas alterações se produziu, a segunda é de pequena importância, visto que o Eu, o verdadeiro homem, poderá aproveitar com a informação que se pode obter nesse plano, mesmo que não tenha a satisfação de trazer qualquer memória disso para aqui, para a sua vida de vigília.
Os estudantes destes assuntos perguntam muitas vezes como é que esta faculdade de clarividência primeiro se manifestará neles — como poderão saber que chegaram ao estádio em que os seus primeiros e pálidos vislumbres começam a notar-se. Há tanta diferença entre uns casos e outros, que é impossível dar a esta pergunta uma resposta que seja aplicável a todos.
Alguns começam, por assim dizer, por um mergulho, e sob qualquer excitação invulgar tornara-se aptos a ver, por uma vez que seja, qualquer visão notável; e muitas vezes num caso destes, porque a experiência se não repita, o vidente chega depois a crer que deve ter sido vítima de uma alucinação. Outros começam por adquirir uma consciência intermitente das cores brilhantes e das vibrações da aura humana; outros encontram-se, com uma freqüência crescente, vendo e ouvindo cousas a que são cegos e surdos aqueles que os cercam; outros, ainda, vêem caras, paisagens ou nuvens coloridas pairar-lhes diante dos olhos antes de adormecer; mas talvez a mais vulgar de todas as experiências é a de aqueles que começam a recordar com uma nitidez cada vez maior o que viram e ouviram em outros planos durante o sono.
Tendo assim, até certo ponto, desimpedido o nosso caminho, podemos passar a considerar os vários fenômenos de clarividência.
Eles diferem tanto, quer em gênero, quer em grau, que não é muito fácil decidir qual a melhor classificação que deles se faça. Poderíamos, por exemplo, classificá-los segundo a espécie de visão empregada — mental, astral, ou apenas etérica. Poderíamos classificá-los segundo a capacidade do clarividente, considerando se ele é educado, ou não, na clarividência; se a sua visão é regular e sob o domínio da sua vontade, ou espasmódica e independente dela; se a pode exercer apenas sob influência mesmérica, ou se essa influência lhe é desnecessária; se é capaz de empregar esse poder quando em vigília no seu corpo físico, ou se apenas a pode empregar quando temporariamente afastado desse corpo pelo sono ou pelo transe.
Todas estas distinções são importantes, e teremos que as considerar todas à medida que avançarmos no assunto, mas talvez a classificação mais prática e útil seja uma no gênero daquela adotada pelo Sr. Sinnett no seu livro Explicação do Mesmerismo — um livro, aliás, que deve ser lido por todos quantos queiram estudar a clarividência. Ao tratar destes fenômenos, dividi-los-emos, pois, mais segundo a capacidade da visão empregada do que segundo o plano em que é excitada, de sorte que poderemos agrupar os casos de clarividência em secções do gênero das seguintes:
1. — Clarividência simples — isto é, um mero abrir da visão, tornando o seu possuidor capaz de ver as entidades astrais ou etéricas que aconteça estarem presentes à sua volta, mas não incluindo o poder de observar lugares distantes ou cenas pertencentes a um tempo outro que o presente.
2. — Clarividência no espaço — o poder de ver cenas ou acontecimentos afastados do vidente no espaço, quer por estarem muito longe para a observação normal, quer por estarem ocultos por objetos interpostos.
3. — Clarividência no tempo — isto é, o poder de ver objetos ou acontecimentos que estão afastados do vidente no tempo, ou, em outras palavras, o poder de ver o passado e o futuro.