A Lei do Renascimento

Enviado por Estante Virtual em dom, 22/01/2012 - 03:44

A Reencarnação no Passado

Talvez não haja no mundo doutrina filosófica que tenha tão esplêndida ancestralidade como a da Reencarnação — o desenvolvimento do Espírito humano através de repetidas vidas na Terra —, experiências que são reunidas durante a existência terrena e trabalhadas para se transformarem em capacidade intelectual e consciência durante a vida celeste. Assim, uma criança nasce com suas experiências pretéritas transformadas em tendências e possibilidades mentais e morais. Como acertadamente observou Max Müller, as maiores inteligências que a humanidade produziu aceitaram a Reencarnação. A Reencarnação é ensinada e ilustrada nos grandes épicos hindus, como fato indubitável, no qual a moralidade se baseia. E a esplêndida literatura hindu, que encanta os eruditos europeus, está impregnada dessa certeza. Buda ensinou a Reencarnação e falava constantemente em seus nascimentos anteriores. Pitágoras fazia o mesmo, e Platão incluiu-a em seus escritos filosóficos. Josephus declara que essa ideia era aceita pelos judeus, e conta a história de um capitão que encorajava seus soldados a lutar até a morte, fazendo-lhes lembrar seu retorno à Terra. Na Sabedoria de Salomão está dito que nascer num corpo impoluto era a recompensa “por ser bom”. Cristo aceitou-a, dizendo a seus discípulos que João Batista era Elias. Virgílio e Ovídio consideravam-na como coisa estabelecida. O ritual composto pelos sábios do Egito ensinava-a. As escolas neoplatônicas aceitavam-na, e Orígenes, o mais culto dos padres cristãos, declarou que “todo o homem recebia um corpo segundo seus méritos e suas ações passadas”. Embora condenada por um Concílio da Igreja Romana, as seitas heréticas mantiveram essa velha tradição. E veio até nós, da Idade Média, a palavra de um culto filho do Islã: “Morri como pedra e tornei-me uma planta; morri como planta, e tornei-me um animal; morri como animal, e tornei-me um homem. Por que temeria eu a morte? Quando foi que me tornei menos do que era, por morrer? Morrerei como homem, e me tornarei um anjo.” Posteriormente, encontramos a Reencarnação ensinada por Goethe, Fichte, Schelling e Lessing, para citar apenas alguns entre os filósofos alemães. Goethe, em sua velhice, antecipava alegremente a ideia do retorno. Hume declarou que aquela era a única doutrina da imortalidade que um filósofo poderia considerar, opinião, de certa forma, semelhante à do nosso professor Mc Taggart, o inglês que, analisando a imortalidade em suas várias teorias, chegou à conclusão de que a da Reencarnação era a mais racional. Não preciso lembrar a ninguém que tenha cultura literária o fato de que Wordworth, Browing, Rossetti e outros poetas acreditavam nela. O reaparecimento da crença na Reencarnação não é, portanto, a emergência de uma crença supersticiosa entre nações civilizadas, mas um sinal de recuperação no que se refere a uma temporária aberração mental do Cristianismo, de uma desracionalização da religião, que produziu tanto mal e deu lugar a tanto ceticismo e materialismo. Afirmar que há a criação especial de uma alma para cada novo corpo implica que a vinda da alma à existência depende da formação de um corpo, e leva, inevitavelmente, à conclusão de que, com a morte, a alma passará a não mais existir. Que uma alma sem passado possa ter um futuro pela eternidade é tão incrível como dizer que uma bengala poderia existir com uma única ponta. Só a alma que não nasceu pode esperar não ser levada pela morte. A perda do ensinamento da Reencarnação — com seu purgatório temporário resultante de sentimentos nocivos, e seu céu temporário para a transformação da experiência em capacidade — deu origem à ideia de um céu infinito, do qual ninguém é bastante digno, e de um inferno infinito, para o qual ninguém é bastante perverso, confinando a evolução humana a um insignificante fragmento da existência, prendendo um futuro eterno ao conteúdo de uns poucos anos, e tornando a vida um ininteligível emaranhado de injustiças e parcialidades, de genialidade não conquistada e de criminalidade não merecida. Um problema intolerável para os que raciocinam, e tolerável apenas para a fé cega e sem fundamento.

A Reencarnação e Sua Necessidade

Há apenas três explicações para as desigualdades humanas, sejam de capacidade, de oportunidade ou de circunstância:

  1. Criação especial por Deus, implicando que o homem é indefeso, seu destino sendo controlado por uma vontade arbitrária e incalculável.
  2. Hereditariedade, conforme sugere a ciência, implicando igual impotência por parte do homem, sendo ele o resultado de um passado sobre o qual não teve controle.
  3. Reencarnação, implicando que o homem pode tornar-se senhor do seu destino, o resultado do seu próprio passado individual, sendo, assim, o que fez de si mesmo.

A criação especial é rejeitada por todos os que raciocinam, como explicação para as condições que nos rodeiam, a não ser na mais importante de todas elas, o caráter com o qual e o ambiente ao qual nasce uma criança. A evolução é tida como certa em tudo, menos na vida da inteligência espiritual chamada homem. Ele não tem passado individual, embora tenha um futuro individual infinito. O caráter que traz com ele — e do qual, mais do que qualquer outra coisa, depende o seu destino na Terra — é, segundo essa hipótese, especialmente criado para ele por Deus, e é imposto a ele sem qualquer escolha de sua parte, destino saído da sacola da sorte da criação, da qual ele pode retirar um prêmio ou um bilhete em branco, sendo este último a condenação ao infortúnio. Do jeito que for, ele deve aceitá-lo.

Se da sacola ele retirar uma boa disposição, ótima capacidade, uma natureza nobre, tanto melhor: ele nada fez para merecê-lo. Se tirar uma criminalidade congênita, uma idiotia congênita, uma moléstia congênita ou um alcoolismo congênito, tanto pior para ele: ele nada fez para merecê-lo. Se a eterna bem-aventurança está anexada a um e o tormento eterno a outro, o desafortunado deve aceitar sua má sorte como puder. O poder do oleiro não é maior do que o da argila? Isso pareceria triste, se a argila pudesse sentir.

Sob outro aspecto, a criação especial é grotesca. Um espírito é criado especialmente para um pequeno corpo que morre poucas horas depois de ter nascido. Se a vida na Terra tem algum valor educativo ou experimental, esse espírito será, para sempre, o mais pobre, ao perder a vida, e a oportunidade perdida jamais poderá ser recuperada. Se, por outro lado, a vida humana na Terra não é essencialmente importante e leva com ela a certeza de muitas ações más e de sofrimento, e a possibilidade de sofrimento eterno ao seu final, o espírito que vem para um corpo que dura até a velhice mal pode tratar dele, pois deve suportar muitas doenças que o outro pode evitar, sem qualquer vantagem equivalente. E pode ser condenado para sempre.

A lista das injustiças induzidas pela ideia da criação especial poderia ser ampliada ao infinito, porque tal ideia inclui todas as desigualdades. Ela faz miríades de ateus, que a consideram incrível para a inteligência e revoltante para a consciência. Ela coloca o homem na posição de inexorável credor de Deus, perguntando, estridentemente: “Por que me fizeste assim?”

A glória da humanidade, do ponto de vista científico, parece estar fora da lei da causação. A ciência não nos diz como construir mentes robustas e corações puros para o futuro. Ela não nos ameaça com uma vontade arbitrária, mas deixa-nos sem explicação sobre as desigualdades humanas. Dizem que os ébrios legam a seus filhos corpos propensos à doença, mas não explicam por que algumas infelizes crianças são os recipientes de herança tão hedionda.

A Reencarnação devolve a justiça a Deus e poder ao homem. Todo espírito humano entra na vida humana como um gérmen, sem conhecimento, sem consciência, sem discernimento. Pela experiência, agradável ou dolorosa, o homem reúne material, como foi explicado antes, e o erige em faculdades mentais e morais. Assim, o caráter com que nasceu foi feito por ele, e marca o estágio que ele alcançou em sua longa evolução. A boa disposição, as excelentes possibilidades, a natureza nobre são o espólio de muitos e duros campos de batalha, são o salário de pesados e duros labores. O reverso indica um estágio mais recente de crescimento, o pequeno desenvolvimento do gérmen espiritual.

Todos caminham por uma estrada igual, todos estão destinados a alcançar a máxima perfeição humana. A dor é consequência dos erros e é sempre reparadora. A força se desenvolve na luta; colhemos, após cada semeadura, o resultado inevitável — a felicidade, que vem do que é correto, e o sofrimento, que vem do que é errado. Um bebê que morre logo depois de nascido paga com a morte um débito, uma dívida do passado, e retorna rapidamente à Terra, retido por breve espaço de tempo, livrando-se da sua dívida, para reunir a experiência necessária ao seu crescimento. As virtudes sociais, embora colocando o homem em desvantagem na luta pela existência, levando mesmo, talvez, ao sacrifício da sua vida física, constroem um nobre caráter para as suas vidas futuras, modelando-o para se tornar um servidor da nação.

O gênio chega a ser inerente ao indivíduo como resultado de muitas vidas de esforço, e a esterilidade do corpo que ele usa não roubará ao futuro os seus serviços, porque ele retorna maior a cada novo nascimento. O corpo envenenado pelo alcoolismo de um pai é usado por um espírito que aprende, com a lição do sofrimento, a guiar sua vida terrena sobre linhas melhores do que as que seguiu no passado.

Assim, em cada caso, o passado individual explica o presente de cada um, e quando as leis do desenvolvimento forem conhecidas e obedecidas, um homem poderá construir com mãos seguras seu destino futuro, modelando seu desenvolvimento em linhas de beleza sempre crescente, até que atinja a estatura do Homem Perfeito.

Por Que Nossas Vidas Passadas São Esquecidas

Não há pergunta que se ouça com mais frequência, quando se fala em Reencarnação, do que esta: “Se estivemos aqui antes, por que não nos lembramos disso?” Uma pequena consideração dos fatos responderá a essa pergunta.

Antes de mais nada, notemos o fato de que esquecemos mais sobre a nossa vida presente do que lembramos. Muitas pessoas não são capazes de lembrar como aprenderam a ler: contudo, o fato de lerem, prova esse aprendizado. Incidentes da infância apagaram-se da memória, mas deixaram traços em nossa personalidade. Uma queda, na primeira infância, é esquecida, mas nem por isso a vítima deixa de ser um aleijado, embora usando o mesmo corpo no qual os acontecimentos esquecidos se passaram.

Esses acontecimentos, entretanto, não são totalmente perdidos para nós. Se uma pessoa cair em transe mesmérico, eles podem ser tirados do fundo da memória. Submergiram, mas não foram destruídos. Doentes tomados pela febre, é sabido, usam no delírio uma língua conhecida na infância e esquecida na maturidade. Muito da nossa subconsciência consiste nessas experiências submersas, memórias atiradas a um segundo plano, mas recuperáveis.

Se isso acontece com experiências ocorridas no corpo atual, não deve o fato ser muito mais verdadeiro com experiências ocorridas em corpos passados, corpos que morreram e se desintegraram há muitos séculos? Nosso corpo e nosso cérebro atual não compartilharam esses eventos pretéritos. Como poderia a memória afirmar-se através deles? Nosso corpo permanente, o que fica conosco através do ciclo de reencarnações, é o corpo espiritual. Os nossos revestimentos inferiores tombam e retornam aos seus elementos, antes que sejamos reencarnados.

A nova matéria mental, astral e física, da qual somos revestidos para uma nova vida na Terra, recebe da inteligência espiritual, expressa apenas no corpo espiritual, não as experiências do passado, mas as qualidades, tendências e possibilidades que se formaram a partir dessas experiências. Nossa consciência, nossa resposta instintiva aos apelos emocionais e intelectuais, ou o reconhecimento da força de um argumento lógico, nossa aprovação dos princípios fundamentais do certo e do errado são traços de nossas experiências anteriores. Um homem de tipo intelectual inferior não pode “ver” uma prova lógica ou matemática; um homem de tipo inferior, quanto à moral, não pode “sentir” a força impulsionadora de um ideal moral elevado.

Quando uma filosofia ou uma ciência são rapidamente apreendidas e aplicadas, quando uma arte é dominada sem estudo, aí está a força da memória, embora os fatos passados do aprendizado tenham sido esquecidos. Conforme disse Platão, trata-se de uma reminiscência. Quando, ao primeiro encontro, nos sentimos íntimos de uma pessoa estranha, aí está a memória, o reconhecimento, pelo espírito, de um amigo de tempos passados; quando recuamos, com forte repulsa, diante de outro estranho, a memória também está aí, no reconhecimento, pelo espírito, de um antigo inimigo.

Essas afinidades, esses avisos, vêm da imperecível inteligência espiritual, que é o nosso ser; nós nos lembramos, embora, trabalhando com o cérebro, não possamos fixar nele a nossa lembrança. O corpo mental e o cérebro são novos; o espírito fornece à mente os resultados, sem a lembrança dos acontecimentos a ele referentes. Tal como um negociante que, ao fechar o “razão” do ano e ao abrir um novo livro, não anota todos os itens do antigo e, sim, somente os seus balanços, o espírito entrega ao novo cérebro seus julgamentos e experiências de uma vida que foi encerrada, as conclusões que obteve, as decisões a que chegou. Trata-se de um suprimento novo entregue à nova vida, o fornecimento mental para a nova morada — uma verdadeira memória.

Rica e variada é essa memória no homem altamente desenvolvido. A comparar-se com a daquele que possui uma alma jovem, o valor dessa memória de um longo passado faz-se patente. Não há cérebro capaz de armazenar a memória dos acontecimentos de numerosas vidas; quando elas se concretizam em julgamentos mentais e morais, estão prontas para serem usadas. Centenas de assassinos foram levados à decisão que diz: “Não devo matar!” A lembrança de cada assassinato seria uma carga inútil, mas o julgamento baseado em seus resultados, o instinto de santidade da vida humana, é a verdadeira memória deles, no homem civilizado.

Às vezes, contudo, verifica-se a lembrança de acontecimentos passados. Crianças têm, ocasionalmente, relances de sua vida pretérita, evocados por algum evento do presente. Um menino inglês, que havia sido escultor, recordou isso quando viu algumas estátuas pela primeira vez. Uma criança hindu reconheceu o arroio no qual se afogara, quando pequenina, na vida precedente, e reconheceu, igualmente, a mãe daquele pequenino que se fora. Muitos casos têm sido registrados de tais lembranças de acontecimentos passados.

Ademais, essa lembrança pode ser conquistada. Entretanto, é uma conquista que depende de esforço muito forte, de prolongada meditação, quando a mente inquieta, sempre se atirando para frente, pode ser controlada e aquietada, de forma a se fazer sensitiva e sensível ao Espírito, e receber dele a lembrança do passado. Só quando somos capazes de ouvir a pequena voz do Espírito é que a história do passado pode desdobrar-se, porque só o Espírito pode recordar e lançar os raios da sua memória para iluminar a escuridão da efêmera natureza inferior à qual está ligado temporariamente.

Nessas condições, a memória é possível, vínculos do passado são vistos, velhos amigos são reconhecidos, antigas cenas são evocadas e uma força calma e sutil cresce, a partir da virtual experiência da imortalidade. Os transtornos presentes tornam-se leves quando vistos em suas verdadeiras proporções como acontecimentos comuns e transitórios de uma vida infinita. As alegrias presentes perdem suas cores brilhantes quando vistas como repetições de deleites passados, e ambas essas coisas são aceitas, igualmente, como experiências úteis, enriquecedoras da mente e do coração, que contribuem para o desenvolvimento da vida em expansão.

Contudo, só quando o prazer e a dor forem vistos à luz da eternidade é que o conjunto de memórias do passado poderá ser enfrentado com segurança. Quando encaradas dessa maneira, essas memórias acalmam as emoções do presente, e aquilo que de outra forma teria sido esmagador torna-se um apoio e um consolo.

Goethe regozijava-se com a ideia de que, em seu retorno à vida terrena, estaria inteiramente lavado de suas lembranças, e homens menos importantes podem ficar satisfeitos com a sabedoria que faz com que cada vida tenha início dessa maneira, enriquecida pelos resultados, mas sem carregar o peso de recordações do seu passado.

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